Paisagem de Jundiaí marca ‘revolução industrial paulista’

Publicada em 10/03/2015 às 15:28

Mirza mostrou a ponte como parte da "revolução" industrial

Mirza mostrou a ponte como parte da “revolução” industrial

Entre 1810 e 1830, viajantes famosos que passaram por Jundiaí descreveram a cidade como um núcleo urbano pequeno e com moradores envolvidos com as grandes tropas de mulas que faziam o transporte de cargas entre Minas ou Goiás até São Paulo e Santos. Um pouco mais tarde, entre 1870 e 1890, a cidade entra em uma fase de crescimento de tamanho e população com a transformação no maior entroncamento ferroviário do Estado, que a projetaria no século 20 como centro de uma “revolução industrial paulista” – cuja primeira fase foi até 1930 e ainda marca a paisagem.

“É algo fabuloso. Temos pesquisado documentos que mostram como pelo menos 30% do custo de exportação do café era ocupado pelo transporte em tropas de mulas e como a chegada da ferrovia, não por acaso ligando Santos inicialmente a Jundiaí, processo esse que liberou capital para investimentos em indústria e urbanismo”, afirma a historiadora Mirza Pellicciotta, em palestra na última sexta-feira (6) como parte do projeto de Ações de Conservação e Zeladoria da Ponte Torta.

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A família Queiroz Telles, ligada ao Barão de Jundiaí, desempenhou um papel intenso na urbanização de Jundiaí e também de São Paulo (amplas áreas da Vila Mariana, por exemplo, derivam desses investimentos), principalmente pela concentração de poder econômico e político adquirida ainda no Segundo Império. Vale lembrar que nesse âmbito também esteve a imigração italiana em 1888, organizada quando membros da família governaram a Província de São Paulo.

A Ponte Torta, vista nesse ângulo, foi construída entre 1886 e 1888 dentro de uma forte transformação criada a partir de um processo de urbanização, que transformou a Vila Arens em um distrito industrial mecânico e têxtil e a Ponte São João num distrito principalmente cerâmico. Fenômeno este que estimulou o surgimento de pequenas fábricas de vinhos, de móveis e outras. Se a Rua Torta era um caminho adequado para as tropas de mulas, mais adiante a expansão se daria no sistema de ruas quadriculares.

“Embora Jundiaí tenha um passado colonial vindo do século 17, que outras cidades que surgiram dos bairros rurais como a própria Campinas não possuem, a transformação ocorrida entre 1870 e 1930 é algo muito intenso e ainda tem muitas marcas incomparáveis na cidade. Infelizmente, no Brasil ainda estamos longe de deixarmos de destruir nossa memória”, afirmou Mirza, com ligações no Centro de Memória da Unicamp e aos cursos de zeladoria do Museu de Arte Sacra de São Paulo, em parceria com o Estúdio Sarasá.

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Reflexões
A intervenção provocou muitas reflexões entre os participantes da palestra. O ano de conclusão da Ponte Torta em 1888, por exemplo, é o mesmo ano do surgimento do Núcleo Colonial Barão de Jundiaí para os imigrantes italianos e da Abolição da Escravatura (sem compensações) para os imigrantes africanos. E também um momento de expansão das ferrovias com a cidade sediando a Santos Jundiaí desde 1867, a Companhia Paulista desde 1872 e também a Ituana e ramais como a Bragantina e a Louveira-Itatiba, adquiridas pela São Paulo Railway (Santos-Jundiaí).

Com a palestra realizada dentro da Biblioteca, sediada em parte da antiga Argos Industrial (que chegou ao posto de maior indústria têxtil da América Latina e funcionou até a década de 1980), era quase possível enxergar as múltiplas fábricas na Vila Arens, no Centro ou na Ponte São João e as lutas históricas da vida operária, familiar a quem viveu em Jundiaí no século 20.

“Achei muito interessante essa junção de critérios técnicos e atribuição social de valor usada nessa metodologia”, comentou Juan Cano, pesquisador espanhol que desenvolve doutorado em parceria com a Unesp no campo da arqueologia industrial e mora na cidade para trabalhar com elementos da história da Companhia Paulista.

Para muitos que consideram que a Ponte Torta não tem mais utilidade cotidiana, a palestra mostrou que o valor agora é outro, mais ligado ao papel de uma das testemunhas da época em que Jundiaí, que já tinha exercido o pioneirismo entre as cidades paulistas do século 17, ocupou novamente um protagonismo na história industrial do Estado nos séculos 19 e 20.

José Arnaldo de Oliveira
Fotos: Divulgação e Reprodução


Link original: https://jundiai.sp.gov.br/noticias/2015/03/10/paisagem-de-jundiai-marca-revolucao-industrial-paulista/

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