Serra do Japi ganha repercussão mundial por aranhas ‘zumbis’
Publicada em 25/11/2014 às 18:39Por ser o lugar do mundo onde mais foram pesquisadas as interações entre vespas e aranhas, a Serra do Japi ganhou por esse instigante fato – ao lado de outros aspectos da biodiversidade – o respeito da comunidade científica internacional.
Quem afirma isso é o biólogo Jober Fernando Sobczak, que em 2007 descobriu ao lado do professor Marcelo Gonzaga a primeira interação na América do Sul entre espécies de vespas e de aranha, ampliada desde então para mais de 20 novos casos. Os artigos sobre esse fenômeno foram publicados em revistas mundiais como a Naturwissenschaften (2007), a Entomological Science (2011) e o Insect Behavior Journal (2014).
Um dos estudos realizados pelo pesquisador envolve uma vespa silvestre batizada apropriadamente de Hymenoepimecis japi, com capacidade de “dominar” o comportamento de uma aranha da espécie Leucauge roseosignata, em uma relação associada no imaginário popular com a ficção dos zumbis.
A vespa usa uma substância ainda desconhecida, provavelmente um anestésico, para imobilizar a aranha e, assim, depositar o ovo na parte externa do abdome do aracnídeo, onde a larva da vespa se desenvolverá. Com o passar dos dias, o ovo se transforma em larva e, depois de um período de amadurecimento, que deve durar em torno de duas semanas, a larva libera outra substância, em estudo apontada como uma neurotoxina, que altera o comportamento da aranha.
Uma das mudanças principais é no desenho da teia, que passa a ser criada com fios entrelaçados para aumentar a resistência e num formato diferente, voltado para sustentar o casulo da futura vespa. Da mesma maneira, a aranha deixa de alimentar-se com uma dedicação total a essa tarefa depois da qual morre e vira o alimento da larva antes do isolamento no casulo.
Desafio microbiológico
Os estudos do veneno da vespa adulta avançaram, especialmente com a ajuda do professor e pesquisador Mário Palma, da Universidade Estadual Paulista (Unesp Rio Claro). O trabalho já apresenta uma pista bastante clara do tipo de substância que a vespa usa para imobilizar a aranha no momento da oviposição. Mas ainda falta realizar os ensaios biológicos de comprovação.
“Com relação ao veneno da larva, ainda estamos no ponto zero. A dificuldade é encontrar a glândula que produz o veneno e aí conseguir extrai-lo. Uma larva possui inúmeras glândulas e isso dificulta muito o trabalho”, explica Jober, sobre o trabalho que envolve a captura no ambiente silvestre, a análise com microscópios e os testes bioquímicos, sem contar os futuros desdobramentos.
“Não poderíamos falar exatamente em controle genético, mas sim evolução ou coevolução envolvendo parasita e hospedeiro em um processo de milhares de anos que está sob o efeito da seleção natural”, completa.
Em termos simples, ele diz que o alvo do estudo de longo prazo é a mudança no fenótipo ou comportamento e ainda não se sabe se nessa interação pode ocorrer alteração na expressão gênica do hospedeiro pelo parasita. “A coevolução significa que uma espécie pode afetar o comportamento (ou o fenótipo) da outra porque estão numa corrida evolutiva entre si”, diz.
Outro aspecto relevante dos estudos é o chamado parasitismo seletivo, pois ocorre mais frequentemente sobre aranhas fêmeas de tamanho intermediário (com mais biomassa, ou alimento, do que os machos que são menores e com ciclo de vida mais curto).
Entre as reflexões geradas por esse trabalho na Serra do Japi dentro do grupo de insetos Hymenoptera (que abrangem as vespas, as abelhas e as formigas), ficou a defesa da ampliação de pesquisas sobre esse tipo de padrões de parasitismo em outras espécies de vespa do grupo de gêneros conhecido como Polysphincta, que compreende mais de 200 espécies de vespas parasitoides que parasitam exclusivamente aranhas.
Ilha de biodiversidade
Quando iniciou os trabalhos, Jober estava na Universidade Federal de São Carlos e depois no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Hymenoptera Parasitoides da Região Sudeste Brasileira (Hympar-Sudeste), que também viabilizou o registro de outras interações semelhantes. Atualmente, ele é professor titular e coordenador de pesquisa e pós-graduação na Universidade Federal de Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab), no Ceará.
“Quando essa reserva me foi apresentada pelo professor João Vasconcellos Neto (Unicamp), em 2006, eu não poderia imaginar que encontraria algo tão fascinante como essas interações envolvendo vespas e aranhas. Pensava que uma área verde como essa próximo de um grande centro como São Paulo não teria algo interessante”, admite.
Com a afirmação de que é o lugar no planeta onde mais estudos foram conduzidos sobre esse tipo específico de interação entre vespas e aranhas, ele diz esperar que os cidadãos de Jundiaí e dos outros municípios que pertencem à Área de Proteção Ambiental (APA) saibam que este lugar é muito respeitado pela comunidade cientifica nacional e internacional.
“Temos muito orgulho de um dia ter tido o privilégio de estudar sua fauna e flora e devemos a estas matas as nossas dissertações de mestrado, teses de doutorado e, por que não, a posição que ocupamos hoje. Pois um dia tudo começou com um olhar observador sobre a biodiversidade da Serra do Japi”, acrescenta.
Reserva Biológica Municipal
A área de aproximadamente 300 milhões de metros quadrados das montanhas e encostas da Serra do Japi em quatro municípios (Jundiaí, Cabreúva, Cajamar e Pirapora) foi tomada em 1983 pelo geógrafo Aziz Ab´Saber no Conselho Estadual do Patrimônio (Condephaat) depois de vários anos de manifestações marcadas principalmente pela grande passeata ecológica de 1978, entre a praça da Bandeira e o pico do Mirante.
Em 1992, durante o governo de Walmor Barbosa Martins, uma parte da área tombada em Jundiaí foi transformada oficialmente na Reserva Biológica Municipal (Rebio) em 20 milhões de metros quadrados da parte da serra em Jundiaí, seguindo indicações de prefeitos anteriores como Vasco Venchiarutti, que em 1960 registrava a iniciativa de compra de áreas na serra e recomendava a todos os demais continuarem nesse objetivo.
O atual prefeito Pedro Bigardi, então em funções técnicas de engenharia na Prefeitura, participou diretamente da demarcação da Reserva Biológica Municipal (Rebio) nos trabalhos da criação em 1992, dentro dessa área conservada de mata atlântica com 20 milhões de metros quadrados. “Percorremos todas as trilhas para demarcar os limites da área”, lembra. As descobertas confirmam novamente a importância ambiental não apenas da reserva, mas de toda a área.
Também no aspecto puramente científico, a Serra do Japi ocupa um papel histórico. De acordo com João Vasconcellos Neto, os cursos pioneiros de pós-graduação em ecologia surgiram na passagem das décadas de 1980 e de 1990 na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Mas em 1992 já chegava ao mercado o hoje esgotado “História Natural da Serra do Japi”.
De acordo com Jober, a serra e particularmente a reserva biológica colaboraram na formação de muitos pesquisadores brasileiros renomados mundialmente.
Para a secretária Daniela da Camara Sutti, de Planejamento e Meio Ambiente, a Serra do Japi é uma das prioridades de governo em suas diversas áreas. “A Prefeitura conta com esse trabalho em diversos setores que envolvem o projeto Nossa Serra, a divisão florestal da Guarda, as pesquisas do Jardim Botânico, as atividades de educação ambiental na Educação, as ações de Serviços e muitas outras. É uma orientação direta do prefeito Pedro Bigardi”, explica.
José Arnaldo de Oliveira
Foto: Paulo Grégio