ESPECIAL: A luz de uma câmera no fim do túnel de Zaik

Publicada em 30/05/2014 às 19:13

No pequeno escritório alugado, próximo à avenida Luiz Latorre, Carlos Alberto de Oliveira, o Carlos Zaik, divide o olhar em dois grandes monitores que se apertam sobre a mesa durante a edição do último curta-metragem, com algumas locações em pontos conhecidos de Jundiaí. “O Preço de uma Paixão” terá aproximadamente 15 minutos de duração e, diz o criador, será inscrito em diversos festivais de cinema independente do País.

Antes, porém, seria apresentado nesta sexta-feira (30) à noite, para avaliação de uma banca julgadora da instituição de ensino onde Carlos finaliza a pós-graduação em cinema. Mesmo com dificuldade para se locomover, em razão de uma doença degenerativa na medula, ele assina a direção, roteiro, fotografia e edição do trabalho.

Carlos Zaik ajuda a salvar vidas por meio do cinema

Carlos Zaik ajuda a salvar vidas por meio do cinema

Por esse ângulo, percebe-se um estudante determinado, que, com 47 anos, aposta no estudo e na sétima arte como instrumentos poderosos, capazes de diminuir o tamanho dos obstáculos e impulsioná-lo vida adiante. Já seria uma lição para muita gente. Mas antes de dar vida às histórias na tela dos monitores, Carlos enfrentou uma batalha real, digna dos mais impactantes longas de drama.

“Foram 6 anos, de 1991 a 1997, em que eu desci até o fundo poço, me viciei em crack, pratiquei pequenos delitos para sustentar o vício, fui preso e, por diversas vezes, quase morri”, lembra, desviando o olhar do monitor.

Após um acidente de moto, em 1991, e de “molho” por conta dos 20 pontos no joelho direito, Carlos, então morador de Taboão da Serra, na região do Jardim Pirajussara, experimentou a droga pela primeira vez para “impressionar” uma namorada. Quando se deu conta, usava o crack com regularidade. Num desentendimento com outros usuários, levou um tiro na cabeça.

“A bala era para me matar, foi à queima-roupa. Eu tinha assaltado alguém do próprio movimento (usuários)”, conta. Na ocasião, quando o projétil passou de raspão, ficou a cicatriz acima da testa. Órfão desde cedo (os pais faleceram quando ainda era adolescente), saiu mundo afora até arrumar emprego de chapeiro em várias lanchonetes de Indaiatuba. Por 4 anos, tudo que ganhava no trabalho tinha destino certo: alimentar o vício.

“Senti que faltava algo na minha vida, uma saída, alguma coisa. Saí de Indaiatuba e dei início à outra peregrinação.” Passou por Itanhaém, Peruíbe, Santos. Perambulou na rua como mendigo. Comeu restos de comida do chão. Protagonizou a degradação humana no estágio mais abjeto. Preso, foi jurado de morte no cadeião de Itanhaém durante uma rebelião no feriado de Carnaval de 1996. Ganhou uma inesperada liberdade em plena convulsão penitenciária. Passou por Goiás, voltou para a capital. Em 1997, já longe do vício, chegou em Jundiaí.

Pós-graduando em cinema, Zaik está de olho em projetos futuros

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Renascimento
“Vim em busca de uma nova oportunidade. Mas não conseguia trabalho, porque não tinha documentos. Além disso, havia um buraco negro de 6 anos na minha vida. Depois de muita luta, concluí o primeiro e o segundo graus em um supletivo no Complexo Argos. Comecei a cursar jornalismo, o que me rendeu um emprego depois de tanto tempo. Não consegui pagar o curso. Fiz Enem e me graduei em Propaganda e Marketing alguns anos depois”, relembra, como se estivesse vendo um filme passar na cabeça.

Carlos ainda queria mais. Em 1998, começou a idealizar uma ONG para ajudar pessoas com histórias de vida parecidas com a dele. Entre o ideário e o registro da entidade passaram 10 anos. “A Vida.com ajuda no restabelecimento de quem está saindo da droga, oferece acolhimento, acompanhamento e aponta oportunidades profissionais. No último ano, atendemos 500 pessoas, encaminhadas de outras entidades conveniadas existentes na cidade.”

Hoje, a Vida.com funciona no espaço da Associação de Moradores do Jardim Ângela. Conta com psicóloga e parceiros espalhados pela cidade toda. Vem despertando em muitos pacientes a paixão pelo teatro, por meio de peças montadas com os assistidos. Em 2008, a ação Natal Feliz da ONG atendeu 18 crianças do Jardim São Camilo. No final do ano passado, chegaram à marca de 430 beneficiadas.

Reconhecimento
O bom trabalho foi reconhecido pela primeira vez por um governo municipal. No dia 21 de maio (quarta-feira), a primeira-dama Margarete Geraldo Bigardi, presidente do Fundo Social de Solidariedade (Funss), visitou o local e conheceu o trabalho da entidade.

Na ocasião, foi discutida a possibilidade de aproveitar o espaço físico da ONG para receber algum curso profissionalizante do Fundo Social, ao encontro do processo de descentralização dos cursos – iniciativa levada a cabo desde 2013. Carlos também se colocou à disposição para dar aulas de cinema por meio da estrutura do Fundo Social. “Nunca ninguém tinha vindo até aqui. Espero que possa sair coisa boa dessa parceria”.

A presidente do Funss projetou ainda o acesso da ONG na Feira da Amizade deste ano, aproveitando as oportunidades que o evento oferece às instituições. Para contribuir de alguma maneira com a ONG Vida.com, ou simplesmente bater um bom papo sobre cinema com o Carlos, os contatos são (11) 2816-2228 ou (11) 97162-4379.

Thiago Secco
Foto: Paulo Grégio


Link original: https://jundiai.sp.gov.br/noticias/2014/05/30/a-luz-da-camera-no-fim-do-tunel-de-zaik/
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